domingo, 26 de abril de 2009

Alcman

Do parteneion (poema sobre mulher) famoso do Álcman, onde ele fala da Agidó, da pra falar pelo menos duas coisas legais. A primeira é a sobreposição da história mitológica, com que ele começa o poema, e do canto sobre a dança das meninas que supostamente estaria se desenrolando diante do cantor-poeta. Essas partes não possuem nenhuma ligação óbvia, mas são um ótimo exemplo de uma mentalidade mítica, que opera com recortes de um tempo circular, em contraste com a nossa mentalidade moderna, linear. A outra coisa legal é que, na segunda parte do poema, traçado um risco entre os hemistíquios, vemos uma distribuição mais ou menos regular entre substantivos de um lado e adjetivos/advérbios de outro. Quando eu escrevi essa pequena imitação/imolação eu não tinha condições técnicas de lidar com a parte textual (mítica), mas usei um pouco da distribuição entre hemistíquios, no meu caso, entre substantivos e verbos.

Em mantos bordados de prata
nos encontramos.

Aves de todas as manhãs do mundo.

Você me assistindo
Agidó, vindo
corcel venético alçando os ares
do rebanho me distingo
a ti grito:

“Salta pra além dos rebanhos
salta pros potes de mel
pros campos de frutas, salta
e vem
para plenas colméias
pois estamos sós...”

Horácio

Nesse poema eu tentei pegar um pouco da sintaxe do Horácio. Não é mais a linha centrada no ritmo (Safo-Catulo), mas a centrada na sintaxe (Arquíloco-Horácio). Eu meio que "decalquei" uma estrofe dele, colocando novos substantivos, verbos, etc, nos lugares onde ele havia colocado os dele. Pra mim, isso foi um exercício importante.

Nenhuma, Caio, videira vês aqui entre as árvores,
em volta erva seca no solo entre as máquinas,
sedentos se arrastam

meio homens meio cavalos se lançam sobre pureza
conquistada, se lançam ao sangue dos que correm
e humano e sobre-humano, vizinhos em vontade
misturam-se ávidos...

sábado, 18 de abril de 2009

Mando poema em que imito desavergonhadamente a Safo (se o Catulo pôde eu também posso). Só tentei criar algumas assonâncias. É um breve estudo de ritmo, pois a Safo era mestra em ritmos reiterados. Nada muito pretensioso. Aí vai:

Parece-me igual aos Deuses
aquela que a mim se inclina
e torce o dorso, o pescoço
torcendo os ânimos.

Quando ri, no peito o espanto
quer romper pranto, meu canto
se cala trançado a frêmito
do meu desejo

e me queima chama os membros
e a língua lassa se enrola
os olhos perdem as órbitas
ouvidos zunem...
Aqui vai mais um poema de um livro que fiz juntando meus escritos da época de estudante. Nesse, eu tentei emular algumas características do Catulo. "Jucundum", era o termo empregado para a lírica latina. Isso queria dizer um humor sofisticado, não destinado ao riso desbragado, mas, como diria Machado de Assis, apenas uma leve contração nos músculos da face. Nesse caso, eu usei toda uma retórica política e militar, comum na época (ver Horácio), para transmitir a voz de alguém que está desesperado para encontrar a amante. O Catulo fez muito esse tipo de fusão de vozes e discursos. Diga-se de passagem, também o Ovídio, o Propércio, e o próprio Horácio ("motum ex metelo..."). Acho que poderíamos caracterizar esse procedimento como algo da última fase da época áurea da lírica latina. Bom, aí está o trabalho de um modesto imitador juvenil:

Quando forem procurar,
amigos Túlio e Aurélio,
singrando mares inóspitos,
ouros remotos,

trançadas trácias tiaras,
sandálias com fecho em prata
pulseiras pros braços jônias
e liras dóricas,

voarem em naus vitoriosas
e tesouros e cativos
ornarem volta de glória,
tragam a minha

Cíntia, maior dos tesouros.
Água da fonte de Ártemis
que Deusa dá pra curar
corações duros.

nheengatu-eleuteria

"A alma não quer o progresso. Ela busca o passado, onde moram as coisas que amamos."
Rubem Alves