sexta-feira, 1 de maio de 2009

renascimento

Eu escrevi estes poemas de maneira meio informe. Porquê? Bom, eu me inspirei mais nuns poetas primitivos do renascimento italiano, tipo Pier della Vigna e Stefano Prottonario de Messina. O problema é que eu já tinh lido os poetas do still nuovo, como Guido Cavalcanti e Cino de Pistoia, além do Dante das rime petrosi. O still nuovo era uma reação a escola de Guittone (escola toscana), por esta ser um tanto formalista. Na verdade, o still nuovo sintetizou estilos do renascimento primitivo (escola siciliana) com elementos do último trovadorismo. Foi uma espécie de passo pra trás para poder seguir em frente. Eles não cantavam mais seus poemas em cortes, eram elementos da alta burguesia, juristas, etc. Eles liam em bibliotecas particulares e saraus, por isso usarem imagens menos sensuais e mais teologia tomista. Eles leram a retórica do Aritóteles (a do Quintiliano é melhor), e na prática isso quer dizer que, ao invés de uma estrofe com imagens fechadas em si mesmas, eles dividiam a estrofe em duas partes, fronte e sirma, baseados na dialética (tese, antítese...). Bom, na verdade eu experimentei mesmo foi esse tipo de estrofe, já que estéticamente eu fiquei flutuando entre o still nuovo e a escola siciliana. Aqui vai um exemplo.

Como um homem que andando pela rua
na esquina é surpreendido
por sol – fogo derretido
que em luz branca, intensa e fria nos tatua -
flutua ao mar da nova terra e novo céu,
qual caravelas – passantes,
naves de vidro – habitantes
da cidade onde mana leite e mel.
Seu canto me arrebatava
qual cupido sem aljava
que do arco íris tirava – me disparava flores.
Vinham anjos surpresos dar louvores.

O céu se curva e dobra-se aos meus pés
com cunha de amor no centro,
escorre em mim o que há dentro
- brilho de estrelas, meros ouropéis -
E se a noite é uma tela onde luz vaza
nosso corpo se confundi,
coração e anima mundi
nas órbitas celestes cerne abrasa.
Do amor passei pelo crivo,
salamandra em fogo vivo,
amante, não me esquivo – tenho prudência nula
ao dente que a serpente me inocula.

Num jardim, numa noite de luar,
pela escuridão
do meu coração
sinto dedos nos olhos me acordar.
No momento do meu renascimento,
alquebrado em pranto,
com dor e acalanto
do fogo onde se firma firmamento,
vi toda a carne desfeita
e o sangue que a terra enjeita
correr nos pés da eleita – estandarte do Amor.
Que a pele e os olhos são do próprio Amor.

Devia dançar pra ti como criança
que no sol lançou-se
e em teu fogo doce
mais se consome e maior brilho alcança.
Lago onde refletem-se galáxias,
a vi nua em pelo,
estátua de gelo
tingida em luz azul e violácea.
Só, no leito, a me esperar,
quieta como num altar
se deixando imolar – o Amor e sua espada.
Lâmina ardente, impiedosa, afiada.

trobar ric

Aqui vai um tentativa de trobar ric, ou seja, um trobar bem intrincado. Não precisa nem dizer que me inspirei na l'aura amara, do Arnaut Daniel. São dezessete rimas por estrofe, não é bricadeira. Apesar de ser uma vaidade meio besta, fiquei um pouco orgulhoso quando terminei este. Muito se fala de poesia de invenção, mas tambám têm muita vaidade de virtuosismo, de querer causar efeito. Como eu sempre coloco, isso é só a imitação de um estudante:

Brisa agreste
roça nos ramos,
cair
de folhas sobre a face.
Fino
pio,
como aves no estio,
nós que amamos,
sai
nosso ai
do coração,
até sumir
pulsar,
como em formol
a carne corrompida.
Mas pode ir
à boca se eu a vejo.

Ela veste
perfeito samo.
Sentir,
preciso num enlace.
Lino,
fio,
precioso atavio.
Dum cálamo,
dai,
desenhai
na escuridão
que eu quero ir
olhar
vulto em farol,
no leito nau perdida,
a submergir
no báratro dum beijo.

O que investe
servos e amos
- servir -
ordena sem impasse.
Minos,
brio,
sem rito do immixtio
em Pérgamo
cai.
Oscilai
devassidão,
que eu vou partir
e honrar
o voto em prol
pureza concedida,
quando eu abrir
os braços ao seu pejo.

Luz celeste,
a vi como em Patmos.
Ouvir,
se ela se desnudasse,
hinos.
Cio,
nunca me sacio.
Corsa, eu, gamo.
Vai,
sazonais
ritmos que dão
no consentir
deitar.
Eu jogo anzol
na hora colorida
em que a seguir
e no susto a bordejo.

Fome e peste
que libertamos,
carpir,
lhes demos livre passe.
Sinos,
frio,
choro e calafrio
no tálamo.
Pai,
no Sinai
nos dá perdão.
Se o céu parir
o mar
nos seja atol.
Preparando a partida
vamos subir
com anjos num cortejo.

O galardão
de conseguir
amar
nos faz qual sol,
que em si sustenta vida.
Basta pedir
que o Amor nos dê o ensejo.

trobar leu

Neste poema eu tentei imitar um pouco do trobar leu (trovar leve) do Jaufre Rudel. Era leve porque ele usava a liguagem e as imagens mais simples mas conseguia um efeito surpreendente. Não sei porque, mas acho que nessa modalidade me dei um pouco melhor. Julguem vocês mesmos:

Fumaça flutuando no ar,
paredes de cimento e aço
e postes a se perfilar
pra iluminar nosso cansaço.
Pra mim são flores amarelas
que um campo verde inteiro cobre
pois chega da flor mais singela
e me assoma essência inefável.

Num galho, pássaro a cantar,
nós num banco, umbroso regaço.
E a luz do sol vem descansar
nos raios finos dos seus braços.
Quando na praça olho pra ela
ninguém na cidade descobre
que na pressa das passarelas
pulsa um segredo imensurável.

Quando tento lhe visitar,
periferia no mormaço,
os bêbados dentro do bar
olham e riem quando eu passo.
Mas pra mim é a rua mais bela
e todos que estão lá são nobres.
O que se relaciona a ela
se envolve de espírito amável.

Dona do amor pode ordenar
as esferas pelos espaços
em cores e brilho estelar
nos giros dos nossos abraços.
Vejo em seu vulto uma janela
e escuridão já não encobre
candeia que espírito vela,
revela-se um fogo intocável.

Pigmentos pintados em tela,
pobres perto do rosto dela,
a flor de cor inominável.

trovadorismo

É muito difícil usar as formas dos primeiros trovadores (os de Provença) e não soar repetitivo e convencional, pelo simples motivo que já fazem mil anos que a gente é obrigado a ouvir diluição da corte amorosa que eles simulavam nas músicas mais bregas e nas novelas e filmes menos recomendáveis. Eu tentei alguma coisa nessa área e o resultado foi desigual. No meio das imagens padrão acho que consegui encontrar uma ou outra coisa mais interessante. Nesse poema, me baseei mais no Bernard de Ventadorn porque ele era um mestra da imagem forte e profunda, rescindido Santo Augustinho. Óbvio que não cheguei nem perto, mas aí vai:

Se encontro com o meu Amor,
seus cílios estão abaixados,
o pescoço um pouco dobrado
e os lábios não todo fechados,
me olha com tanta doçura
que em contraste até o sol declina,
torna-se néctar estricnina,
taça de ambrosia amargura.

Nas faces vem tanto calor,
ficamos tão avermelhados
que placas de metal soldado
num foguete despedaçado
n’órbita de uma lua escura
são pedaços de cartolina
rasgados sob a chuva fina
diante da nossa ternura.

Em uma cidade ao redor
o chão de conchas foi calçado,
prédios de corais levantados,
centro com jóias marchetado
onde a luz as cores satura.
Lá no meio a minha menina
bem mais que as pedras se ilumina,
mais que a aurora frescor e alvura.

Quando vi sol com resplendor
me senti como um esmagado,
caí no chão ajoelhado
chorando por ter sustentado
Amor que chega das alturas
devassando pontes, esquinas,
campos, cavernas e colinas.
Vem revirando as sepulturas.

O toque purificador
do Amor se estamos enlaçados,
no meu espírito engendrados
mil sóis num fundo ensangüentado
tornam a terra inteira pura.
Do mar da sua pele fina,
asas douradas na retina
me entregam nos céus suas juras.

Em meio à estranha neblina
o nosso corpo se obstina
em medir da vida a largura.